11.5.05

Conto

Aquele provavelmente era o dia mais importante da sua vida. Todo aquele nervosismo e ansiedade iriam passar, e uma nova vida estaria começando. Enquanto ele aguardava a cerimônia, pensava em como tudo passou voando, da escolha dos padrinhos, até o local onde se celebraria a união foi quase um pulo. Seus seis anos na academia espacial estavam agora no fim, e novamente suas escolhas eram reafirmadas enquanto vestia o traje ritualistíco. - Nova vida.. pensou Adriel.

O Brasil mudara muito em 25 anos, progressos feitos em todas as áreas de conhecimento, mas principalmente nos ramos da física e da psico-religião haviam tornado a vida muito melhor e diferente do que era no início do século XXI. A guerra religiosa deflagrada em 2010 e reunificação brasileira no ano seguinte tiveram impactos tão poderosos na ciência quanto na visão de humanidade dos brasileiros. Pela primeira vez alguém havia se perguntado o que era ser humano, e o quanto os humanos estava ligados ao planeta terra. Ciência e religião se uniram para aprofundar a busca desta resposta.

A resposta veio mais rápida do que todos esperavam, e de forma cruel. O primeiro salto ocorreu em uma experiência com doentes terminais e máquinas que aumnentavam a capacidade cerebral, mas naquele momento o espécime já estava no transe pré-morte, atravessando o corredor de luz e o resultado foi que o próprio corpo atravessou o portal carregando junto o maquinário, dias depois descobriram o corpo em uma casa na qual a pessoa vivera anos a fio, e onde ela tinha encontrado a felicidade. Ao tentar repetir o experimento, usaram um assassino condenado e o induziram a pensar em um laboratório que se encontrava do outro lado do país, o experimento foi um sucesso, mas o assassino viveu mais do que esperado, causando sérias baixas na comunidade científica brasileira.

A necessidade da religião para guiar o indivíduo através da vida à uma "boa existência" logo foi sugerida e bem aceita, desde que fosse possível utilizar aquele novo método de transporte. Logo, saltos entre os países começaram. Algumas nações foram contra a nova forma de transporte, e novas guerras teriam surgido, mas a necessidade de transporte de gargas cada vez mais pesadas impulsionaram a viagem de Saltos, como foi posteriormente batizada.

Inicialmente para que os saltos fossem realizados, utilizava-se de pessoas em estado terminais ou qualquer um que se propusesse a faze-lo. Mas a fragilidade espiritual e física destas pessoas tornou a demanda por "saltadores" cada vez maior, e em 2025 com o advento da psico-religião novos saltadores, preparados exclusivamente para tais viagens surgiram. Suas vidas eram completamente normais, com a exceção de serem criados acreditando em um deus capaz de guia-los pela vida, e da sua ligação única com o planeta Terra.

Todos a historia passara em sua frente, em um quadrado de luz sólida de altíssima nitidez e Adriel estava agora pensando no que o futuro agurdava para ele depois daquelas poucas horas que separavam o menino que ele era, do homem em que se tornaria. Quantas ex-namoradas o veriam todos os dias? Com quantas trabalharia? Ficou envergonhado de pensar nos momentos íntimos que tivera com algumas garotas justo antes do momento em que se tornaria adulto e responsável. Era quase um pecado.

Ajustou suas sandálias e mirou novamente a abertura do teto. Lá estava todas as estrelas com as quais ele sonhara por tantos anos, e logo poderia estar no meio delas. Um único salto e a Terra seria um pequeno ponto azul perto de Marte, onde a nova nave espacial o aguardava. A Velocidade Divina iria em breve ser a primeira nave a deixar o sistema solar e Adriel agora sabia que teria que trabalhar muito para que a nave se mantivesse em boas condições em sua missão estelar.

Rezou novamente ao deus que escolhera, apanhou um punhado de barro perto da única árvore do aposento e guardou no bolso. Estava pronto.

Adentrou o salão comunal e viu Sextra, totalmente de branco, com um lindo sorriso esperando por ele. Decidamente caminhou em sua direção, sob o olhar de admiração e inveja de todos os presentes. Estava mais nervoso do que antes.

Pegou Sextra pela mão e beijou-a suavemente, sussurou-lhe doces palavras e olhou pela última vez para o público. Sentiu um medo terrível, mas sua determinação freou qualquer tentativa de desistência. Seu lugar no universo estava lhe esperando. Tirou o manto branco que cobria Sextra e ficou ainda mais maravilhado com sua beleza. Um ajudante saiu das primeiras cadeiras e deu-lhe o pequeno quepe branco e preto, símbolo da autoridade máxima na marinha estelar dentro de uma nave, capitão. No caso de Sextra, capitã, a mais jovem e bela capitã da frota brasileira.

Ao ajustar o quepe na cabeça de Sextra, a Velocidade Divina começou a ser ligada. A nave era tão imponente que Adriel teve que parar com a cerimônia para que todos pudessem admirar aquele colosso vermelho e amarelo, resultado de três anos de esforços da América do Sul, África e da junção asiática Sino-Nipônica. Adriel pensou que sua última chance de desistência acabara de se perder entre as últimas lâmpadas que se acendiam na proa da nave. Era hora de se tornar completo pela primeira vez em vinte anos de existência.

Virando lentamente, segurou ambas as mãos de Sextra e lhe disse: - Confio agora a você trezentas vidas que se juntaram para ir onde nenhum humano vivo jamais esteve. E junto destes trezentos seguem a sua vida capitã Sextra e eu saltador de sistemas Adriel, incorporados à Velocidade Divina, juntos mas separados pelos meios físicos que prendem nossas almas a este plano. Desejas seguir em frente?

- Meu único desejo é estar ao seu lado, mesmo que separados por crenças e teorias, mas capaz de sentir, ver e ouvir a ti e as estrelas. Tomo estas trezentas e uma vidas como minha responsabilidade e zelarei por elas com minha própria vida.

Assim, Adriel beijou-a, o último beijo, o mais longo beijo de que se tem notícia na história terrestre, um beijo apaixonado, forte e determinado, mas ainda sim, um beijo triste, o último beijo. Ele separou-se dela, limpando suas lágrimas, deitou em seu esquife espacial e fechou os olhos. Pouco a pouco as pequenas luzes do esquife se acenderam, e ele passou a flutuar no ar. Adriel entrara em seu estranho transe pré-salto e agora era recoberto por um gel azulado que deixava suas feições pálidas. Sextra aproximou-se dele a tempo de ajeitar-lhe o cabelo e sussurar seu amor aos ouvidos que agora pertenciam à Velocidade Divina, fitou-o pela última vez e ordenou que o primeiro salto fosse realizado.

O esquife que pairava no ar brilhou intensamente e sumiu dos olhos dos presentes, no mesmo instante a Vento Divino acordou, seus motores roncaram fortemente e a onça pintada esculpida na lateral na nave brilhou com nitidez. O cérebro e o coração do bólido estelar estavam finalmente no lugar. O desejo de Adriel em breve começaria: singrar entre as estrelas com sutileza e beleza.

Sextra deu ordens à tripulação para embarque imediato. Sua dor não era maior do que a das mães, pais, maridos ou esposas que ficariam para trás. Adriel e ela estavam unidos, separados fisicamente, mas juntos. Secou as últimas lágrimas enquanto colocava as luvas, sua vida de casada estava apenas começando. Sua casa e seu esposo a aguardavam para uma grande jornada.

escrito por Burning às 09:54 |

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